No início, ele não tinha nome. Era um mosquito como outro qualquer – sem gênero, espécie, nada, trazido da África nos primórdios da ocupação portuguesa no Brasil. Em meio ao tráfico de escravizados patrocinado pelos europeus, navios saíam do continente africano trazendo não apenas seres humanos, mas animais como o inseto hoje chamado Aedes aegypti.
Cinco séculos depois, o mosquito se perpetuou, se tornou um velho conhecido dos brasileiros e segue provocando epidemias praticamente anuais no país – além da dengue, o Aedes aegypti tem, em sua conta, infecções de zika e de chikungunya. Neste momento, 38 municípios decretaram emergência por dengue apenas na Bahia, enquanto outros seis estados no país enfrentam a mesma situação, além do Distrito Federal.
De mãos dadas, dengue e mosquito formam um combo difícil de ser superado. Mesmo após tanto tempo, essa combinação ainda deixa um rastro de estragos, vítimas fatais e indagações sobre a nossa capacidade de controlá-lo. Em todo o país, são 740 mil casos, além de 151 mortes confirmadas, segundo o Ministério da Saúde.
Uma das principais razões para o quadro atual é o próprio inseto, que se adaptou muito bem – e até prefere – habitar os espaços urbanos. Nas cidades, ele encontra o cenário ideal, como explica o médico infectologista Guilherme Ribeiro, pesquisador da Fiocruz Bahia e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
“O ambiente é ideal para sua reprodução, porque há muitos utensílios ou recipientes artificiais com água acumulada. Isso vai de vasos, garrafas e latas até caixas d’água. É impossível a sociedade atual retirar esses recipientes da nossa realidade. Como a nossa vida mudou muito nos últimos 100 anos, é muito difícil a erradicação do mosquito”, explica Ribeiro, que é doutor em Biotecnologia em Saúde e estuda eco-epidemiologia.
A esse versado agente, somam-se outros fatores, especialmente a forma como o vírus se propaga, medidas que foram abandonadas nos últimos anos e a dificuldade em encontrar uma vacina efetiva contra a doença. O primeiro imunizante contra a dengue foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) apenas em dezembro do ano passado, com a campanha tendo sido iniciada no início deste mês, com crianças de 10 e 11 anos.
Ainda assim, trata-se de uma vacina japonesa, já que o imunizante brasileiro ainda não foi aprovado. Além disso, mesmo que o cenário seja promissor a longo prazo, as doses inicialmente disponibilizadas não vão conseguir atender nem mesmo todos os públicos de maior risco.
“Tivemos a incorporação da vacina como um elemento, mas que não é uma panaceia para esse momento agora. A vacina é uma coisa para médio e longo prazo. Como tem doses em quantitativos tímidos, precisa sim priorizar populações vulneráveis com maior risco, mas investir na consciência sanitária da população”, diz o pesquisador Ramon Saavedra, doutorando em Saúde Coletiva no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/Ufba).
Fonte:Correio da Bahia