Como um Produtor Brasileiro Está Construindo a Maior Fazenda de Cacau do Mundo Projeto idealizado por Moisés Schmidt quer transformar o oeste baiano em referência mundial na produção de cacau com uso de irrigação e mecanização O produtor Moisés Schmidt, dono da Schmidt Agrícola, em Barreiras, no oeste da Bahia, passou 12 dias no continente africano no início deste ano. Entre os dias 27 de janeiro e 7 […]

Projeto idealizado por Moisés Schmidt quer transformar o oeste baiano em referência mundial na produção de cacau com uso de irrigação e mecanização

O produtor Moisés Schmidt, dono da Schmidt Agrícola, em Barreiras, no oeste da Bahia, passou 12 dias no continente africano no início deste ano. Entre os dias 27 de janeiro e 7 de fevereiro, ele esteve em Nigéria, Gana, Costa do Marfim e Senegal. Voltou de lá convencido de que a tecnologia, a irrigação e a escala produtiva brasileiras podem transformar o país em um dos maiores produtores mundiais de cacau – e, talvez, no salvador do chocolate como o conhecemos. Schmidt também é o atual presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), polo agrícola de alto desempenho no Matopiba (fronteira agrícola que inclui Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde estão 1.300 produtores que cultivam cerca de 2,25 milhões de hectares.

Schmidt divide as tarefas do negócio de 35 mil hectares plantados com o irmão David, CEO do grupo que há quase três décadas cultiva soja e algodão na região, e que, a partir de 2018, decidiu diversificar na fruticultura com 300 hectares de banana, com parte da produção já exportada para mercados como Argentina e Europa. No cacau, cultivado pela família desde 2019, o plano é ousado: são 10 mil hectares para a fruta, o que será – caso chegue lá – na maior fazenda de cacau do mundo.

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Schmidt não tem dúvida de que chegará lá em 10 anos. Hoje, ele toca um projeto-piloto de 400 hectares, dos quais 70% estão implantados. “Há um risco real de que as próximas gerações não conheçam o chocolate como ele é hoje”, diz. “A falta global de cacau é tão severa que já se fala em uma nova geração de doces, feitos majoritariamente de açúcar, gordura de palma e trigo. A escassez é tamanha que algumas indústrias admitem que, se não agirem agora, terão de reformular completamente seus produtos.”

Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), com sede em Brasília, entidade que representa no país a norte-americana Cargill, a suíça Barry Callebaut e a inglesa Olam Food Ingredients (OFI), mais a Indústria Brasileira de Cacau (IBC), por onde passam a moagem de 95% de toda a amêndoa produzida aqui, de cerca de 200 mil toneladas por safra, confirma: “se não mudarmos o cenário do cacau, corremos o risco de parar fábricas por falta de matéria-prima”.

Sem citar as indústrias, Schmidt admite que vem sendo instigado pelas quatro gigantes. “Elas precisam do volume e da regularidade que o Brasil pode e tem potencial para oferecer.” O projeto de expansão de lavouras de cacau liderado por ele em uma área não tradicional, como é o oeste da Bahia, tem como modelo o sistema de pleno sol com irrigação tecnificada, em vez do cacau de cabruca, ou floresta, porque o objetivo é escalar a produção. O custo não é pequeno.

Na área piloto, a empresa faz um investimento da ordem de R$ 200 mil por hectare, o que inclui o preparo de solo, a irrigação, as mudas e os tratos culturais nos primeiros três anos, sem contar os R$ 25 milhões já investidos em um gargalo inusitado: a falta de mudas de qualidade no mercado. A solução foi montar o maior viveiro de cacau do mundo. Batizado de BioBrasil, a atual produção é de 3,5 milhões de mudas por ano, com meta de chegar a 10 milhões até 2027. “O cacau é uma cultura que sempre foi vista como de pequenos produtores, mas que tem um enorme potencial de escala, porque o mercado é deficitário no Brasil e a demanda internacional cresce em ritmo acelerado”, diz Schmidt.

Atualmente, o mundo consome cerca de 5 milhões de toneladas de cacau por ano, segundo a International Cocoa Organization (ICCO), com demanda estimada entre 8 e 10 milhões de toneladas até 2050. Para cumprir essa tarefa, Schmidt faz conta e coloca na mesa: o mercado da fruta já sinaliza que o preço mínimo por tonelada de amêndoa pago ao produtor deve ser de US$ 6 mil para viabilizar novos investimentos. Abaixo disso, segundo o produtor, culturas como café e laranja voltam a ser mais atrativas. “E essa nova era da cacauicultura exige contratos mais longos, mais estabilidade e sustentabilidade real – social, ambiental e econômica”, afirma ele.

Não por acaso, durante a conferência da World Cocoa Foundation (WCF), realizada em São Paulo nos dias 19 e 20 de março, o presidente da entidade, o bioquímico norte-americano Chris Vincent – que já passou por instituições como Merrill Lynch e Principle Capital –, disse que o Brasil tem papel estratégico na cadeia produtiva. “Há muito a aprender com o Brasil, uma força agrícola global, com infraestrutura e conhecimento.” Vincent lembra que, desde a última conferência, realizada em abril do ano passado, em Bruxelas, na Bélgica, o setor tem enfrentado enorme instabilidade por causa da queda na produção africana de Gana e da Costa do Marfim, responsáveis por 60% da oferta global.

Por safra, a produção, que era de cerca de 3 milhões de toneladas, despencou por causas climáticas e sanitárias, levando o mundo a um déficit de 480 mil toneladas, segundo a ICCO. “O preço do cacau triplicou desde lá, chegando a quase US$ 13 mil por tonelada em dezembro, e três meses depois recuou para US$ 8 mil. Foi um ano intenso”, afirmou Vincent. A sede da WCF fica em Abidjan, na Costa do Marfim. “O preço do cacau disparou de forma inédita desde os anos 1970. Olhando o gráfico dos últimos 50 anos, era possível ver uma commodity estável, até que tudo mudou”, diz a economista Pam Thornton, commodity trader da Nightingale Investments, de Nova York.

Chris Vincent, presidente da World Cocoa Foundation, esteve no Brasil em março para a conferência global da entidade

Para ela, é preciso agir com base em ciência e planejamento para que o mercado do cacau possa sobreviver aos novos tempos, porque a volatilidade dos preços

e os problemas estruturais da produção global colocam em xeque a sustentabilidade da cadeia. “Temos um grande trabalho pela frente. O cenário político e econômico é volátil. O dinheiro para o desenvolvimento está desaparecendo e, se não usarmos esse momento de atenção ao cacau para criar bases duradouras, corremos o risco de voltar ao esquecimento. Talvez, esse seja o maior risco de todos”, afirma Thornton.

Moisés Schmidt deve voltar à África, se possível neste ano, justamente pela atenção aos detalhes. Segundo o produtor, ainda há muito o que ver lá e quais cenários geram aprendizados para serem aplicados aqui. Mas de algumas coisas ele já tem certeza. “Temos tecnologia, temos gente capacitada e agora existe um desafio global que só pode ser enfrentado com eficiência. O Brasil domina as condições para assumir esse papel na cacauicultura mundial – e vamos cumprir o dever de casa.” Seu cacau está sendo cultivado com uso intensivo de maquinário, irrigação por microaspersão e manejo de precisão. “Ainda estamos desenvolvendo uma forma viável de mecanizar a colheita, mas os avanços em pulverização, adubação e trato já são realidade”, afirma.

Além disso, o modelo produtivo adotado incorpora práticas de agrofloresta, com cobertura verde total e inserção de culturas complementares, como braquiária e, em alguns casos, leguminosas como o amendoim-bravo. O apoio à pesquisa vem das parcerias com a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária, e duas unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Fruticultura, em Cruz das Almas (BA), e a Embrapa Cerrado, em Brasília, com a qual a Schmidt Agrícola mantém acordos formais de cooperação.

A produtividade das lavouras da empresa é animadora. Nos cálculos iniciais, o produtor considerou a produção de 200 arrobas de amêndoas por hectare, mas a expectativa agora é dobrar esse número, chegando a até 400 arrobas (ou 6 toneladas por hectare). Schmidt diz que a operação ainda não dá lucro, porque as lavouras estão em fase de transição entre Capex (Capital Expenditure) e Opex (Operational Expenditure), mas já geram receita parcial e devem atingir a lucratividade plena nos próximos ciclos.

“Foi difícil no começo, mas agora é visível que o modelo é viável técnica e economicamente”, afirma ele. O sucesso da família Schmidt vem chamando a
atenção de outros empreendedores na vizinhança que entenderam o que está acontecendo por ali. Hoje, cerca de 30 produtores do oeste baiano já estão investindo na cacauicultura, com mais de 700 hectares em implantação.

Fonte: Forbes

 

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